ELA
"Vem, Maria!... Corre que já vai sumir!..."
E o balãozinho rodopiava no ar.
Rodopiava no ar gelado.
O balãozinho incendiado.
As mulheres viam.
Os homens viam.
Na rua, nos bares, nas casas.
O balãozinho aceso na noite gelada.
Coisa de quem?
Que meninos?
Aqueles ou aqueles?
O filho dela e o filho dela e o filho dela?
Balão apagado.
Todos pra dentro.
Que frio!
Que bonito que foi!
"Maria!"
E Maria se virou.
O cobertor azul, bordado de amarelo.
O rosto moreno.
A luz do alpendre da cozinha sobra a cabeça.
E o homem fecha a porta
sem olhar a porta.
Os dias.
Barro moldado, barro cozido, barro pintado.
A oficina do santeiro.
Maria.
Xás de hortelã.
Maria.
Maria.
A companhia.
Os dias.
Maria...
... mas numa noite de outro inverno
a lembrança cresceu
e ele cometeu uma heresia.
Ela juntava as mãos, com frio,
e ficaram como mãos rezando.
O cobertor azul virou um manto
e os bordados amarelos, arabescos dourados.
A luz do alpendre, sem saber,
há muito já tinha virado uma coroa.
Permaneceu onde não vissem
entre os santos e as santas.
Um dia,
os dias pararam de vir.
Doados os santos ao Patrimônio
lá se foi para o rio a heresia.
Maria.
E o tempo veio trazendo os pescadores.
Mas os pescadores não vinham trazendo nada.
Mas quando pescaram ela
foi como pescarem a mãe ou a mulher
ou melhor
foi como pescarem ela.
Vieram todos.
Uma chuva de prata.
Vieram todos.
E os homens comeram.
Então é uma santa!
Não, nós sabemos.
É Maria.
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