domingo, 25 de março de 2012

ELA



"Vem, Maria!... Corre que já vai sumir!..."

E o balãozinho rodopiava no ar.
Rodopiava no ar gelado.
O balãozinho incendiado.

As mulheres viam.
Os homens viam.
Na rua, nos bares, nas casas.
O balãozinho aceso na noite gelada.

Coisa de quem?
Que meninos?
Aqueles ou aqueles?
O filho dela e o filho dela e o filho dela?

Balão apagado.
Todos pra dentro.
Que frio!
Que bonito que foi!

"Maria!"

E Maria se virou.
O cobertor azul, bordado de amarelo.
O rosto moreno.
A luz do alpendre da cozinha sobra a cabeça.

E o homem fecha a porta
sem olhar a porta.

Os dias.

Barro moldado, barro cozido, barro pintado.
A oficina do santeiro.
Maria.
Xás de hortelã.
Maria.
Maria.
A companhia.

Os dias.

Maria...

... mas numa noite de outro inverno
a lembrança cresceu
e ele cometeu uma heresia.

Ela juntava as mãos, com frio,
e ficaram como mãos rezando.

O cobertor azul virou um manto
e os bordados amarelos, arabescos dourados.
A luz do alpendre, sem saber,
há muito já tinha virado uma coroa.

Permaneceu onde não vissem
entre os santos e as santas.

Um dia,
os dias pararam de vir.

Doados os santos ao Patrimônio
lá se foi para o rio a heresia.

Maria.

E o tempo veio trazendo os pescadores.
Mas os pescadores não vinham trazendo nada.

Mas quando pescaram ela
foi como pescarem a mãe ou a mulher
ou melhor
foi como pescarem ela.

Vieram todos.
Uma chuva de prata.

Vieram todos.
E os homens comeram.

Então é uma santa!

Não, nós sabemos.

É Maria.






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